segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Cancro, um inimigo a vencer




Cada um de nós perde, ao longo da vida, cerca de duas toneladas de células do tecido que forra o tubo digestivo. Estas células são naturalmente substituídas por outras que surgem por mitose. O que se passa ao nível do tubo digestivo passa-se com outros órgãos, de tal forma que anualmente ou bianualmente substituímos uma massa de células equivalente ao nosso corpo. Digamos que os organismos pluricelulares são o resultado de um equilíbrio que se estabelece entre a proliferação celular e a morte celular programada, ou apoptose. Alguns cancros resultam de uma proliferação descontrolada de células, são alterações ao nível dos proto-oncogenes, enquanto que outros (a maioria) são caracterizados por uma espécie de imortalização das células, dando-se as alterações ao nível dos genes supressores de tumores. Esta resistência à morte prolonga-se por vários anos, que é o tempo necessário para que um cancro se desenvolva. Por isso, um cancro não é uma doença aguda mas sim crónica, uma vez que quando se manifesta clinicamente tem já 10, 20 ou mais anos de evolução. Por exemplo, um cancro da mama com 1 cm tem já 10 anos de evolução.






O que se entende então por cancro, também chamado tumor maligno ou neoplasia maligna? De acordo com o Professor Sobrinho Simões, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPA- TIMUP), trata-se de um conjunto de doenças muito heterogéneas que têm em comum o facto de apresentarem caracteristicamente o crescimento de um tecido neoformado (neoplasia = neo – novo + plasia – proliferação, tecido), crescimento esse que é semiautónomo, capaz de invadir os tecidos adjacentes e de se reproduzir à distância – metastização. Pode então considerar-se num cancro a iniciação, que será o momento em que surgem células geneticamente alteradas. As alterações neoplásicas geram desequilíbrios, bloqueando os genes responsáveis pela morte celular ou aumentando a eficiência dos genes que promovem a divisão celular. Diariamente, em cada indivíduo surgem células neoplásicas que são naturalmente eliminadas. Quando tal não sucede começa a ocorrer a progressão, em que o número de células vai sucessivamente aumentando. Em determinado momento as células começam a invadir os tecidos vizinhos e a apropriar-se de vasos sanguíneos e linfáticos (angiogénese) para crescer ainda mais, é a fase da invasão. Quando o processo não é bloqueado, o tumor evolui para a fase final da metastização. Neste caso, começa a perder-se o controlo da situação, uma vez que as células são levadas na corrente sanguínea e vão desenvolver novos tumores noutros locais.
Todos os cancros são doenças genéticas, mas a maioria deles, cerca de 95%, não são hereditários. Quanto à origem, consideram-se fundamentalmente dois tipos de cancro:
• cancro hereditário – é herdado, sendo um cancro raro, surgem, contudo, muitos casos na mesma família. A mutação que o determina afeta todas as células do indivíduo, mesmo as que vão dar origem aos gâmetas, e manifesta-se precocemente.
• cancro esporádico (cerca de 95% dos casos) – são devidos a mutações somáticas que o indivíduo adquire ao longo da vida e resultam da interação entre os genes e o ambiente, considerado no sentido mais amplo (hormonas em circulação, vírus, bactérias, tabaco, sol, poluição atmosférica, etc.), havendo casos onde predomina o ambiente e outros onde predomina a componente genética.
Em resposta à ação continuada de agressões ambientais, o organismo começa por dar respostas adaptativas como, por exemplo, o desenvolvimento de um epitélio mais espesso nas vias aéreas dos fumadores, metaplasia (substituição de um tecido por outro). A metaplasia é, em princípio, um processo adaptativo benéfico; contudo, de vez em quando há erros genéticos que fazem com que uma metaplasia evolua para neoplasia.
De um modo geral, os cancros esporádicos resultam da interação entre o ambiente e o genoma do indivíduo. De facto, nos cancros esporádicos a suscetibilidade genética dos indivíduos é variável, havendo indivíduos e, portanto, famílias com maior ou menor suscetibilidade genética para determinados cancros. Há, contudo, em todos eles o contributo de fatores ambientais.


In: Terra, Universo de Vida. Porto Editora (2004)

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